sábado, 21 de maio de 2016

É neste pequeno bloco encadernado a cabedal que estão escritos os poemas de amor dos meus pais que acabo de publicar. A letra muito miudinha do meu pai não tornou a tarefa fácil mas creio ter conseguido transcrever correctamente. Também não importa, o que importa é tê-los publicado e assim torná-los eternos. Acabou-se o caderno mas o blog continua, aqui iremos pondo os escritos da minha mãe e talvez também uma coisa minha que já escrevi há anos mas que me apetece partilhar. Por aqui continuaremos, sempre em nome da mãe.

sexta-feira, 20 de maio de 2016

Ao António

 Sózinha neste mundo
Um dia me encontrei!
A alma escancarada à ventania
O coração calado
E espezinhado
A vida sem norte e sem guia.
Na alma
O travo amargo
Duma dura provação
Mais pobre que o pobre
A quem negam o pão!
Sózinha!
Sem o terno apoio
Dum coração amigo
Cumprir sem culpas
Um duro castigo,
E se não pequei, até...
Só a Deus agradeço
Por me ter dado
! Dádiva sem preço!
A chama alta de uma grande fé!
Mas um dia,
Alguém surgiu no meu caminho
E a minha vida mudou de cor!
Voltei a viver
E a querer
Ser alguém p'ra esse amor!
Hoje vivo e sei porque vivo,
Sei que quero viver
A minha vida.
Embora tenha sido uma desiludida, Hoje quero viver
Para ao pé dele ser
Uma estrela, uma nuvem, uma tarde,
Qualquer coisa, enfim!
Que seja igual a mim, Tudo para ele
Eu que era... nada...!!
5-11-952
Maria Clotilde

quarta-feira, 13 de abril de 2016

Saudades

À Tininha

Partiste e tudo ficou!
Saudades e sonhos
correm pela vida em atropêlo!
E dos beijos que te dou
Nada mais resta que o gosto
Amargo do meu anelo!
Beijo,
Saudades infindas,
E onde andais?
E tu, boca que eu desejo,
Porque não voltas ainda,
Porque não me beijas mais?
Lábios vermelhos,
Ardentes,
Rubros de desejo,
Se quereis seguir um conselho
vinde, antes que caia doente
Pela fome do vosso beijo!
Não demores,
vem depressa, amor!
Embora eu saiba que choras
Sempre que um beijo te dou
Eu quero beijar-te agora,
Abraçar-te a toda a hora,
Por nos beijos tal fervor
Que não possa o coração
Ouvir a voz da razão
E da minha alma que chora!

António

quarta-feira, 30 de março de 2016

Eternidade

Um dia,
Quedei-me a olhar
A minha sombra,
Que morria
Nas manchas que o luar
Deixava sobre a terra.
E a sombra era tão fria,
Que eu tremia
E levantei a gola do casaco!
Fiquei a olhá-la,
Perdido no tempo e no espaço
E tive medo de mim!
Pois a a sombra era tão fria,
Tão negra e tão esguia,
Que mais parecia
O cipreste de um jardim...
Mas nesse dia, eu,
Era pior que a sombra que morreu!
Fui há dias visitar
Aquele triste lugar,
Negro e gélido,
Onde a sombra aparecia
E morria,
Sob as manchas do luar!
Quedei-me a olhá-la
E não vi a sombra do meu eu
Que morreu!
Ouvi cantos e gorgeios,
Tive anelos e anseios,
Vivi sonhos e tormentos,
E os mais belos pensamentos
À minha volta se adensaram!
Pasmei por me ver assim,
Tão alegre, tão diferente,
Olhei o céu no poente,
P'ra saber ao que devia
Tão grande transformação!
Saltava-me o coração
E nos olhos dançava um querubim
Que troçava e ria,
E trazia
Na mão um nome: Tininha!
Então baixei o rosto,
E na sombra clara do sol posto
Vi a tua sombra unida à minha.

António
8 - 10- 1952







quinta-feira, 3 de março de 2016

Juro

Ao António

Eu não te queria afirmar
Pois sei que juras de amor
Quase não têm valor
E não vale a pena jurar.

Mas para mim é diferente
Quero jurar porque é melhor,
P'ra saberes que o meu amor
Durará eternamente!

Ouve amor: juro por Deus,
Pela luz dos olhos meus,
Por tudo te quero jurar,

Que esta boca que tu beijas,
Onde quer que tu estejas,
Nenhum outro há-de beijar!

Maria Clotilde
7- 10-1952

segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

Aquela Noite

Subimos, amor, àquela igreja
Onde não há quem nos veja
E que é tão perto do céu!
Depois, enlaçados,
Ficámos extasiados
Tu e eu.
Amor...depois...tu sabes,
Um beijo e outro beijo
E sempre o mesmo desejo
De nunca mais acabar!
E a lua que nos espreitou
Com certeza que ficou
Com esta convicção:
De duas bocas unidas
Duas almas, duas vidas
Formando um só coração.

Maria Clotilde
4/10/1952
Para ti, António, lembrando uma noite que ficou para sempre gravada na minha alma

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

Sonhador

Meu amor,
amo-te muito!
Se as palavras que te digo
não to fazem entender, 
é porque nasceu comigo
o sonho de me perder!
De noite sonho contigo, 
e não vou aqui dizer
os meus sonhos e tormentos!
De dia sou teu amigo,
pois não me deixo envolver
pelos tristes pensamentos!
A lua fala comigo
contigo falou a lua
que ilumina a nossa rua!
Mas, quando o sol brilhar
sei que já não vou sonhar
com a linda imagem tua!
Eu gosto da noite, amor,
da noite p'ra te abraçar
da noite p'ra te beijar,
da noite... p'ra me perder...
Eu gosto de ti, amor,
porque és todo o meu desejo
porque é só a ti que beijo,
Porque ao surgir o alvor,
só a ti eu sei dizer:
beija-te o ... teu amor!

António
23/9/1952

segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

Mãe

Mãe que Levei à Terra
Mãe que levei à terra
como me trouxeste no ventre,
que farei destas tuas artérias? 
Que medula, placenta,
que lágrimas unem aos teus
estes ossos? Em que difere
a minha da tua carne?
Mãe que levei à terra
como me acompanhaste à escola,
o que herdei de ti
além de móveis, pó, detritos
da tua e outras casas extintas?
Porque guardavas
o sopro de teus avós?
Mãe que levei à terra
como me trouxeste no ventre,
vejo os teus retratos,
seguro nos teus dezanove anos,
eu não existia, meu Pai já te amava.
Que fizeste do teu sangue,
como foi possível, onde estás?
António Osório, in 'A Ignorância da Morte'

domingo, 17 de janeiro de 2016

PARA TI

Não sei dizer-te como em mim nasceu
toda esta ternura, todo o meu querer,
não sei amor, nem o quero saber,
só sei apenas que...aconteceu!

Não sei dizer-te porquê este amor
me enche toda numa doçura calma.
num louco desejo que me abraça a alma
e que dá ao coração meigo calor.

Não sei amor...não sei se isto que sinto
é amor...mas sei que não te minto
ao dizer que a teu lado sou feliz...

Não sei definir esta ternura
que me faz amar-te com loucura
e querer-te como jamais alguém te quis.

Maria Clotilde
22-9-1952