sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Saltimbancos, ou "la strada" à portuguesa

Numa feira de uma cidade de província, no final da década de 1930, um homem corpulento, de calças largas e colete, segurava uma corrente que prendia um urso castanho. O animal dançava e rebolava no chão, obedecendo à voz do dono, que lhe dizia "Dança, Mariana!"; uma mulher de pele escura, com um lenço de onde pendiam medalhas amarrado na testa, tocava pandeireta, marcando o ritmo da dança. Mais à frente, ficava a barraca dos "Robertos", os fantoches, com as suas personagens: o Zé Broa, o Diabo, A Mulher Mal Casada, o Padre, que actuavam num palco de onde pendia um pano de ramagens.
O que mais me impressionava era o número da cabra subida no gargalo de uma garrafa, não pela dificuldade, mas sim pelo animal e pelas gentes que a exibiam, gente pobre, cujo chamariz para o espectáculo era um toque de corneta, ao mesmo tempo que uma garota magrita fazia piruetas num tapete verde desbotado.
Era frequente haver anões nessas troupes de saltimbancos, e lembro-me que o meu primo Jorge uma vez fez uma tremenda birra, porque queria que a mãe levasse um desses anões para lhe dar de comer. "Assim ele crescia, mamã..."

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

O Cheiro da Cidade

Era um cheiro a humidade e a pinheiro
E também a cortiça requeimada
Vinha no vento e ficava o dia inteiro
O cheiro da minha cidade tão amada.

Agarrou-se à minha pele e perdurou
Levei-o para Sul. Quase o esqueci.
Quando voltei, ele também voltou
A esta terra donde jamais parti.

Este Natal senti-o novamente,
Manhã cedo descendo a avenida,
Tal como outrora sentia o coração.

Era o Inverno, agora mansamente,
Entrando afinal na minha vida
Como entrou, pé ante pé, a solidão.