sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

A velha Amiguinha

Ela não gostava de assobios. Tinha muita idade e muito mau feitio. Vivia numa aldeia alentejana muito branca, muito limpa, onde as pessoas esfregavavam o bocado da rua que lhes passava à porta.
Mas esta tal velha tinha sempre que embirrar e não suportava que alguém passasse na rua a assobiar. O Antonico, miúdo endiabrado e brincalhão, atreveu-se e, de mãos nos bolsos e boina às três pancadas, ele aí vai, rua acima.
A velha Amiguinha estava sentada à porta, a escolher grão para uma panela de barro. E o Antonico aí vem, assobiando distraído; sem saber como, levou com a panela de barro e os respectivos grãos: um golpe profundo do lado direito da cabeça foi a marca que ficou para toda a vida.
Só por ter assobiado distraído na rua da velha Amiguinha...

sábado, 3 de janeiro de 2009

A hora do chá

Ela vem sempre à mesma hora, agora um pouco mais tarde, por causa da burocracia do emprego; mas não falha, bate à porta (tem chave mas não usa), sempre com boa disposição.
- Estás boa, filha?
- Estou boa - diz, com uma acentuação meiga e divertida.
E tomamos o chá, conversando e rindo, a maior parte das vezes. Chá acabado de fazer no Inverno, frio e em copo no Verão. Umas bolachas e às vezes bolo de azeite sem açúcar, por via das dietas...
E conversamos, eu ansiosa por lhe contar tudo, o que li no jornal e o que vi na T.V. Afinal, aquilo que só falo com ela, porque não tenho mais ninguém com quem trocar opiniões e, em alguns casos, desabafar.
Faz-me muita falta este encontro do fim de tarde com a minha filha mais velha. Espero-o ansiosamente.
- Até amanhã, filha.
- Até amanhã, Mãe.
Fecho a porta, até ao outro dia.