terça-feira, 5 de julho de 2022

 " O filho do burro

Morava na mesma rua que eu, era piconeiro e vivia com a mãe, a senhora Rosa. Tinha um burro que carregava os sacos de picão. Bebia, bebia muito e era raro o dia em que não subia a rua quase de gatas. Entrava para casa e o burro entrava também. Dizia para quem o queria ouvir: - Este burro é mais que meu pai! ( isto porque o ajudava no trabalho). Por isso o meu pai chamava-lhe o filho do burro!
Piconeiro era o homem que fazia o picão. O picão era feito de ramos de árvores, os mais fininhos, depois das podas da Primavera. Debaixo da terra ardiam em fogo lento e depois servia para as braseiras. Comprava-se ao quilo nas carvoarias ou aos piconeiros que o vendiam pelas ruas em sacos que os burros carregavam."
Maria Clotilde Eustáquio

sexta-feira, 16 de julho de 2021

 Porque sei que gostam, dou-vos outro texto da minha mãe. Este tem música.

“ Os índios de Lagos
No Verão de 1996, em Lagos, tive ocasião de em pleno largo do D,. Sebastião ver um agrupamento índio peruano. Depois de almoço, quando fomos tomar café, já os índios andavam por ali a preparar o espectáculo. O António que tanto gostava de música sul-americana, ficou entusiasmado e toda a tarde passámos a falar no que seria o espectáculo da noite. Jantámos mais cedo e lá fomos para ter lugar o mais próximo e confortável possível. Sentados mesmo à frente lá esperámos algum tempo e finalmente eles apareceram. Vestidos a rigor, com os instrumentos característicos da cultura índia. O António, que tão pouco era de mostrar emoções, estava contentíssimo. Tudo o que esperávamos aconteceu. As canções nossas conhecidas, naquela noite algarvia, eram magia para os nossos ouvidos, “ Recuerdos de Ipacaraí”, “Alma Llanera”, “Cielito Lindo”, enfim… todas as que nós tanto gostávamos. Fizeram um intervalo. E qual não é o meu espanto quando vi o António dirigir-se a um deles e falar-lhe. O índio mostrava entender e assentia com a cabeça. _ O que foste dizer-lhe? – Espera e verás. Depois percebi porque eles dedicaram-lhe “ Pássaro Chogui”, “ El condor passa” e “Índia”, esta última cantada em dialecto. Foi maravilhoso ouvi-los e sentir a alegria do António. Comprou-lhes os discos todos e acho que ainda levaram brinde. Quando se despediram, um olhar para nós: - Mil gracias!
(eram índios incas)."
Maria Clotilde Eustáquio
Portalegre, Julho de 2009

quinta-feira, 3 de junho de 2021


 Para esta tarde de sábado, quase de Verão, este texto da minha mãe, tão divertido. Ela tinha uma provecta idade mas mantinha o bom gosto!

😀
" Homens bonitos
Quem vê cinema, séries e até as vulgares novelas, quem lê revistas e jornais, enfim, quem vê o mundo com olhos de ver, depara com uma coisa digna de reparo e de pasmo: homens lindos às dezenas e centenas por todo o lado. Mesmo agora dei com um no programa da Oprah, é o Nate, o decorador, o embaixador dela para as campanhas de ajuda que ela promove. Não sei se haverá mais bonito, hoje então vinha de fato completo e gravata. Mas então nos anúncios aparecem as caras mais espantosas, os sorrisos, enfim, é impossível descrevê-los. Na música também os há, o Justin Timberlake, o Bono, o pequeno espanhol Alexandre Sanz, nem falo já no cinema, nesses nem é bom falar. Tenho que lhes dedicar uma crónica só a eles... Há uma série que é "Sem rastro" onde um actor chamado Eric Close espalha charme e elegância. Há no mundo da moda um que faz o anúncio do perfume " Polo" da Ralph Lauren que é, ele próprio, jogador de polo, que também está na lista, é argentino. A lista não acabava, voltarei a este assunto quando estiver melhor documentada. Tenho já uma provecta idade mas o bom gosto ainda me resta. Lembrei-me agora do actor português que faz de Luís Bernardo Valença no "Equador", também merece referência na lista dos mais bonitos. É de apelido Duarte, não me lembro do primeiro nome."
Maria Clotilde Eustáquio.
Portalegre, 10/03/2009
Actualização: o argentino do perfume Polo chama-se Nacho Figueras e o actor português, Filipe Duarte, infelizmente já falecido.

quarta-feira, 17 de março de 2021

 A propósito do anúncio Coca-Cola Light que regressou com outro protagonista , trago-vos hoje este escrito da minha mãe.


" Os galãs

Os filmes antigos de Hollywood que passam nos canais de cinema da TV Cabo e também na RTP Memória, têm a grande vantagem, entre outras, de me fazerem recordar os bonitos actores do meu tempo que tantas vezes me fizeram suspirar. Eram homens fisicamente elegantes, sempre de rosto magro e sorriso de estarrecer. E depois eram heróis românticos que seduziam a bela rapariga que com eles contracenava. Casavam e eram felizes para sempre... Mas se houvesse drama à mistura era melhor e se não acabasse bem também não me importava que eu não sou muito adepta de finais piegas.
Filmes da 2ª Guerra com uma história de amor pelo meio eram os meus preferidos.
Agora, neste momento, estou a ver o Charlton Heston no " Major Dundee" e aquela farda azul dos nortistas sempre aprumados e impecáveis fica-lhe mesmo bem. Não foi assim? E isso o que tem? Eram heróis e bastava. Pertenciam ao 7º de Cavalaria que chegava no momento certo.
Que grandes filmes que fizeram sonhar gerações de jovens! Abençoados porque nos fizeram felizes.

Maria Clotilde Eustáquio, Fevereiro de 2009"

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 Janeiro é o mês da minha mãe. Nasceu e morreu em Janeiro e foi também em Janeiro que escreveu este texto que hoje partilho convosco.

"Compagnons de route
A minha paixão por livros começou aí pelos 6 ou 7 anos quando, retida em casa com tosse convulsa e já sabendo ler, fui presenteada pelo meu irmão Lito com um livro todos os dias. Eram da colecção Manecas, coloridos, de leitura fácil porque de letras grandes e folhas de poucas linhas (umas dez por página). Lembro-me bem de " A ilha dos cozinheiros", "O aprendiz de feiticeiro", "O anão amarelo" para além dos clássicos. Depois, por volta da entrada para o Liceu, 11 anos, li romances que não percebi bem e que só mais tarde aprendi a gostar. Entre eles bastantes de Érico Veríssimo. Isto à mistura com "O Mosquito", o" Sr. Doutor" o " Pim-Pam-Pum" e até os " Texas Jack" do meu irmão. Seguiram-se "Os Três Mosqueteiros" em versão antiga e em português do séc. XIX e os outros a seguir, " O Visconde de Bragelonne" e "20 anos depois". Depois foi tudo o que apanhei à mão. Indiscriminadamente. Bom e mau. Há então a idade do romance cor-de-rosa que por acaso eram de capa azul, Max du Veuzit, Mary Love, Magali. Por essa altura tinha grandes amigos rapazes que me emprestavam os de capa e espada de que gostei especialmente. Há uma idade, 16, 17, por aí fora em que lia compulsivamente. Dois e três livros por dia. Durante o serão, no quarto, com ao candeeiro quase dentro da cama. Aí são os autores portugueses. Os proibidos e também romances de jornalistas, Guedes de Amorim, Manuel Martinho, Guedes de Dion, Carmem de Figueiredo e Etelvina Lopes de Almeida. Não parei mais. O meu namoro com o António também foi com troca de livros. Nessa altura a colecção " Livros do Brasil". Não posso citar um preferido, foram tantos! Tal como os filmes não sou capaz de escolher só um. Não poderia viver sem livros à minha volta, são parte de mim e todos, todos mesmo, me ensinaram muito. A vida, tal como a considero hoje, foi-me em grande parte dada por aquilo que li. Não resisto, quando vou a Lisboa, a visitar a Bertrand. Venho sempre com mais um carregamento que francamente já não sei onde pôr.
Livros. livros, companheiros de uma vida!"
Maria Clotilde Eustáquio
Portalegre, 31/1/2009


quarta-feira, 10 de fevereiro de 2021

 Hoje é um grande dia para a América e para o mundo, dizemos adeus ao coiso, vai e não voltes! e eu partilho convosco um escrito da minha mãe de há precisamente 12 anos, 20/01/2009, da tomada de posse de Obama que ela seguiu na CNN e relatou com pormenor num dos seus cadernos. É um excerto, já que o escrito é longo e descreve todos os momentos desse dia que ela viveu intensamente.

" A Posse ( Mister President, sir)
...Barack Obama já tomou posse como Presidente dos Estados Unidos da América e está agora a fazer o discurso de Estado. Viva Obama!!! A câmara mostrou agora um velho negro americano em cujo rosto as lágrimas caíam. Acho que é bem o símbolo daqueles que no passado sofreram as humilhações que todos conhecemos... "
Maria Clotilde Eustáquio
20/01/2009

terça-feira, 9 de fevereiro de 2021


 "As Festas da Cidade 1950

Agora que passaram as festas da cidade que este ano foram molhadas, lembro aqui os festejos de 1950 que duraram todo o mês de Maio. Foram os 400 anos de elevação a cidade. Tal como acontece sempre, as Primaveras em Portalegre não primam pelo clima ameno e nesse ano de 1950 também assim foi. Não choveu mas houve frio e lembro-me que usei um casaquinho de malha sempre que saía. O vem, o suão, fez voar alguns arranjos que enfeitavam o jardim público ( um castelo com 2 torres situava-se onde é agora a Cadislegre. Era feito em material que facilmente o vento derrubava mas lá se foi aguentando). No velho estádio da Fontedeira ( onde é hoje o hotel) fizeram-se serões de variedades com cantores portugueses e alguns brasileiros e espanhóis. Lembro-me de ver actuar os irmãos Andrade ao piano e canto lírico ( um deles, o Luís, é o pai da Serenella Andrade). Também lá vi cantar o Francisco José, o José António, Maria Clara e muitos mais, apresentados pelo Artur Agostinho. É dessa altura, no estádio, o desafio entre o Sporting e julgo que um misto do Desportivo e Estrela. Vi jogar o Travassos e o Albano, Vasques e Jesus Correia, grandes jogadores internacionais. Também jogava nessa altura o Carlos Canário que era natural de Portalegre e irmão do sr. Canário, barbeiro que durante muitos anos cá veio a casa cortar o cabelo ao António ( também o cortou à Isabel Maria em pequenina). Também actuou no teatro Portalegrense o Orfeão e a Tuna Universitária de Coimbra. Foi oferecido aos estudantes uma recepção e baile de gala mas com muita pena minha, não fui. Enfim, foi um mês em cheio e parece que não houve dia nenhum que eu ficasse em casa. Esse Maio de 50 foi de festa na cidade e foram, sem dúvida, as maiores comemorações que a câmara organizou. Lembro que em 1940 ou 41 também houve festejos na cidade, não sei a que propósito, mas tenho ideia de uma verbena ( Verbena Azul) feita no pátio do Liceu e que constava de bailes e actuações de cantores e fadistas. Também recordo que nessa mesma altura desfilaram pelas ruas marchas populares e tenho ideia de duas: a da Fábrica Robinson e da Lanifícios. Parece-me que era a da Lanifícios que tinha trajes de saia preta e blusa amarela e na cabeça um chapéu em forma de castelo. Uma das marchas era dedicada à cidade e ainda me lembro bem dela. Desses festejos recordo a “ Aldrabona” e os “ Beduínos”."
Maria Clotilde Eustáquio
Portalegre, 2 de Junho de 1997