quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Pregões

Quando somos crianças, os sons musicais parece que nos entram no ouvido de tal maneira que, mais tarde, ainda os conseguimos cantar e ouvi-los distintamente naquele cantinho da memória a que eu chamo a "sala de música".
Quando eu tinha 3 anos, morava na Rua da Senhora da Glória, à Graça, e os pregões que soavam nas ruas de Lisboa eram sonoros, musicais e traziam uma melodia inesquecível, mas ao mesmo tempo simples e cheia de ternura.
Era o caso do queijo saloio, dos morangos de Sintra, e de um que só se ouvia no princípio da Primavera, que era o do homem que recolhia as cascas das ervilhas e favas e os restos das hortaliças. O pregão era assim:
"Olha a carroça, que leva as folhas, que leva as cascas!"
Só que, por mais que eu procurasse, ele não trazia nenhuma carroça, nem sequer um burro. Era ele que, simplesmente de saca às costas, recolhia os restos que os outros deitavam fora, talvez para alimentar coelhos e outros animais de criação.
A graça está na figura simbólica da carroça, que, pura e simplesmente, não existia...
Também aparecia sempre, ao fim da tarde, um outro homem que apregoava "suspiros de alimança". Isto criou lá em casa um mistério: o que seriam os "suspiros de alimança"? Suspiros sabíamos que eram os tais bolinhos que deixam na boca o sabor de uma ilusão breve que se extingue, agora a "alimança"...O que seria?
Um dia a minha Mãe ouviu com mais atenção e descobriu que o pregão completo era "Suspiros de alimão são a um tostão". Estava desvendado o mistério dos "suspiros de alimança"...

1 comentário:

Isabel I disse...

Essa é como aquela do pai perguntar: - Mas afinal quem é que é o El Barramalho? Isabel I