domingo, 26 de abril de 2009

As botas do Caneco

Volto sempre à Nazaré, quando penso na minha infância. Era lá que fazia anualmente as minhas férias na praia, até aos meus 10 anos. Todas as famílias que iam a banhos tinham um banheiro, contratado para toda a época. O nosso era o Caneco.
O Caneco, também conhecido por Passarinho, era um homem alto e magro, de rosto tisnado pelo sol e pelo sal. A sua mão grande e ossuda, onde a minha se perdia, levava-me até às ondas, onde pulava, divertida.
Durante o tempo frio, como a praia não lhes dava sustento, o Caneco e a sua mulher, a Arminda, vinham até às localidades onde residiam os seus fregueses. Lembro-me de um Inverno dos anos 40 em que eles estiveram em nossa casa: o Caneco vinha descalço e isso afligia muito os meus Pais, pois a nossa cidade era bastante fria e chuvosa. O meu Pai insistiu com ele para calçar umas botas da tropa, mas ele nem um passo conseguia dar com elas. Foram então os dois a uma sapataria e o meu Pai comprou-lhe umas botas de borracha mais macias, julgando ser mesmo aquilo de que o banheiro precisava. Mas nem pensar! Ao lado do meu Pai, na rua, vinha o bom do Caneco com as botas na mão, rindo e conversando com aquele sotaque de pesacador da Nazaré, banheiro no Verão e sempre amigo do seu amigo. Levou as botas, mas nunca as calçou.

2 comentários:

Isabel I disse...

E eu volto sempre a Albufeira, não esta de agora, cheia de rotundas, de marinas, de estrangeiros, de urbanizações penduradas das falésias, de automóveis, de bichas para tudo, mas a Albufeira da minha infância, de mar azul, areia branca, falésias douradas, camaleões nas árvores, esse Algarve intocado que a ganância dos homens fez perder para sempre. Isabel I

zira disse...

Fiz praia em Armação de Pêra desde 1971,até...l994. Durante um mês anualmente e quando o casino era um luxo, as casinhas dos pescadores uns amores e o mini-golfe o local de encontro diário.Tinhamos Um ALVARINHO, um homem mais ou menos da minha idade que era a figura típica mais conhecida.Homem simples e bom, que cuidava da limpeza dos jardins e da renovação das flores como ninguém. Era no tempo em que o Vicente da Câmara tinha todos os filhos pequenos e os juntava na varanda de frente para o mar...O Caneco tinha personalidade. Era agradecido, mas as botas até lhe deviam tirar o bem estar fisico...A liberdade de sentir o chão.Foi ontem? Até parece não?!